segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Tristeza


Há poucos estudos comparativos que não dêem os portugueses como entre os mais tristes, ou mesmo os mais tristes de todos os europeus, os mais descontentes e pessimistas. A questão é que fazer com essa noção. Sim, a nossa infelicidade é como um móvel que sempre esteve no meio da casa. Mas será um assunto a tratar em público? Por outras palavras: será a infelicidade dos portugueses uma questão política?

Se você acha que não, algo de errado se passa consigo. Provavelmente, o mesmo que se passa connosco. Os gregos, que sabiam qualquer coisa do assunto — dos dois assuntos, aliás — diziam que “a felicidade reside na liberdade, e a liberdade na coragem” (Tucídides).

Vamos lá por partes. “A felicidade é a liberdade” não só coloca a questão na política (ou seja, na forma de distribuir o máximo de liberdade possível pelo máximo de gente possível) mas também nos sugere que a liberdade é a capacidade de deter controlo sobre a própria vida. Como estamos em Portugal, sob esse prisma? Que poder temos para tomar decisões no local de emprego, por exemplo, ou entre vários trabalhos precários, sempre endividados, sempre com medo do chefe, sempre com salários baixos? Que acesso à cultura e à educação temos — são duas das mais importante condições de ampliação da liberdade, nada menos — quando fazer uma pós-graduação é caro e voltou por isso a ser socialmente condicionado?

Mas a segunda parte, “a liberdade é a coragem”, nota que os entraves à felicidade não estão apenas nas condições sócio-económicas “externas”, mas também dentro de nós. Algures no tempo, quando nos convencemos que a infelicidade era o estado normal das coisas, ganhámos medo. Medo de arriscar, medo de esticar a cabeça, de dizer qualquer coisa fora do lugar. Já repararam como o medo torna os humanos medíocres, e a mediocridade nos torna amargurados?


Rui Tavares
Público, 4 Dez.2008

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